domingo, 7 de março de 2010

Categorias de avaliação na Arquitetura

SILVA, Elvan. Uma introdução ao projeto arquitetônico. Porto Alegre: UFRGS; Brasília: MEC/SESu/PROED, 1983. p. 69-73. (texto adaptado)

Em termos simplificados pode-se afirmar que o processo de projetar na arquitetura está sujeito a duas categorias principais de fatores morfogenéticos:
• condicionantes contextuais, decorrentes de circunstancias pré-existentes, como caracterização do sítio, exigências programáticas, legislação aplicável, imperativos de ordem sócio cultural;
• critérios de projetação, que traduzem a concepção do projetista perante o problema a ser solucionado.
A primeira categoria de fatores influenciará o estabelecimento do partido a ser adotado, pois, em muitos casos, os condicionantes contextuais podem determinar a exclusão, a priori, de alternativas teoricamente cogitáveis, ou mesmo exigir a adoção compulsória de outras. É o caso, por exemplo, da legislação urbanística, capaz de impor taxativamente certos limites geométricos e numéricos decisivos no processo de preposição da forma arquitetônica. Da quantidade e do teor dos condicionamentos contextuais dependerá do grau de liberdade de escolha do projetista. Entende-se que essa limitação restringe as possibilidades de expressão do arquiteto, mas ela é uma decorrência do fato de ser a arquitetura um fenômeno sócio-cultural e, portanto, sujeito às convenções peculiares à organização social da coletividade.
Os critérios de projetação são de cunho subjetivo, ou seja, refletem o pensamento pessoal do projetista e corporificam um mesmo programa e um mesmo sítio, n arquitetos produzirão n proposições diferentes. Estas diferenças demonstrarão, entre outras coisas, que os diversos projetistas baseiam-se em escalas de prioridades não coincidentes.
Em bases teóricas, pode-se afirmar que os critérios de projetação manifestam-se quando se verifica que determinados aspectos da forma não satisfazem igualmente a todos os requisitos qualitativos englobados pelo programa ou colimados na concepção do projetista. De que tipo são esses requisitos? Fundamentalmente, existem dois níveis independentes de avaliação qualitativa da forma arquitetônica:
Um primeiro nível, referente aos três planos de significação da forma arquitetônica:
• adequação instrumental (plano pragmático);
• racionalidade construtiva (plano sintático);
• resultado plástico (plano estético).
Um segundo nível, referente aos valores semânticos, formais e econômicos:
• originalidade/ convencionalidade (plano semântico);
• simplicidade/ complexidade (plano de configuração formal);
• modicidade/ onerosidade (plano econômico).
Tais conceitos dispensam maiores explicações. Os dois níveis podem ser apresentados como dois distintos sistemas de eixo, pois se referem a fenômenos suscetíveis de avaliação independente; além disso, cada categoria do primeiro sistema pode ser avaliada no termo das três categorias do segundo.
Cada uma das categorias do primeiro sistema compreende um conjunto de subcategorias, imediatamente traduzíveis nos termos dos aspectos da forma arquitetônica. Uma rápida análise conduzirá ao estabelecimento da seguinte relação:
a) adequação instrumental (referente ao plano de utilização prática do edifício, no que concerne às necessidades e aspirações do usuário: dotação de espaço, condicionamento lumínico, térmico, acústico, ergonométrico, privacidade, comunicação):
• morfologia do elementos: formato e dimensões dos espaços, elementos construtivos, aberturas, equipamentos;
• topologia (disposição lógica) dos elementos: posição e inter-relação dos espaços, elementos construtivos, aberturas, equipamentos;
• adequação do material: resistência, impermeabilidade, isolação, cor, textura.
b) racionalidade construtiva (referente ao plano da realização física do edifício):
• material de edificação: resistência durabilidade, capacidade de condicionamento, aspecto plástico;
• sistema estrutural: adequação da forma construtiva aos requerimentos funcionais;
• técnica de construção: relação entre os processos construtivos, sistemas estruturais e materiais de edificação.
c) resultado plástico (referente ao plano da pura fruição estética do objeto arquitetônico):
• beleza: conformação dos elementos, proporção, ritmo, equilíbrio, cor, textura, escala, simetria/assimetria, unidade/variedade, cheios/vazios, luz/sombra;
• caráter: correspondência material entre a função e a forma do elemento arquitetônico: codificação tipológica, articulação dos elementos, denotação;
• expressão: capacidade de transcender à pura fruição sensível, evocando intenções e significados; carga simbólica, articulação de signos, conotação.
As categorias do segundo sistema (originalidade/convencionalidade, simplicidade/complexidade, modicidade/onerosidade) expressam qualidades verificáveis ou não em qualquer das categorias do primeiro sistema. Por si só, a originalidade, a simplicidade, a modicidade, etc, não significam índice de excelência: um determinado elemento pode ser uma configuração simples e original e não ser necessariamente eficaz. Assim sendo, muitas vezes dá-se preferência ao convencional, porém eficiente, e despreza-se o novo, porém inadequado.
A primeira vista, o elenco acima parecerá um inventário das virtudes exigíveis da forma arquitetônica, já que, em tese, todos aqueles atributos são igualmente desejáveis. No plano do concreto, nem sempre é possível a obtenção de todos aqueles qualificativos. A questão criteriológica manifesta-se quando é verificada a inaptidão da forma para atender a todos os requerimentos programáticos. Nessas circunstâncias, como já foi dito, competirá ao projetista a hierarquização das diversas alternativas, em termos de aceitabilidade. É para isto que existem os critérios.
A subjetividade dos critérios fornece um marco para a definição de estilos individuais ou coletivos, como exteriorização de teorias particulares da forma arquitetônica. Para Oscar Niemeyer, por exemplo, “quando uma forma cria beleza ela tem uma função e das mais importantes na arquitetura”. Como já foi comentado anteriormente, dentro da semelhante conceituação, os termos ‘função’ e ‘funcionalidade’ têm esvaziado seu significado primitivo e convencional, e passam a denotar outros sentidos. No caso exemplificado, atribuir ‘função embelezadora’ a um determinado componente do edifício é o mesmo que valorizar o papel estético do objeto arquitetônico, o que é válido; alguns observadores poderão não concordar, entretanto, com a expressão ‘função embelezadora’ já que se costuma atribuir, no âmbito da terminologia da arquitetura, uma acepção diversa para o vocábulo ‘função’. A questão torna-se irrelevante se for interpretado o significado mais importante da colocação, que é o de demonstrar a fundamentação subjetiva dos critérios de projetação, que dependerão da escala de importância que o projetista adota em cada circunstância.
SILVA, Elvan. Uma introdução ao projeto arquitetônico. Porto Alegre: UFRGS; Brasília: MEC/SESu/PROED, 1983. p. 69-73. (texto adaptado)

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